Mulheres e Cidades – Um movimento rizomático transformando narrativas dominantes do planejamento urbano
Gosto de pensar nas centenas de ativações, publicações, conversas, dissertações de mestrado e teses de doutorado, manuais, encontros, entrevistas itinerantes, intervenções e conferências oficiais sob o tema ‘mulheres e cidades’ como um movimento rizomático emergente.
A imagem de um rizoma, um caule de planta que cresce horizontalmente no subsolo, enviando raízes e brotos a partir de seus nós na superfície do solo, é cativante. Ao contrário de uma árvore, que tem uma estrutura de raiz fixa que leva a uma forma hierárquica ramificada, um rizoma não possui tronco ou fundação central. Ele cresce e se espalha em todas as direções, sem um início ou fim claro.
Produção de lugares sensíveis ao gênero, urbanismo feminista, cidade com perspectiva de gênero – existem tantas denominações quanto os brotos que surgem dos nós conectados por uma estrutura rizomática. Essas abordagens manifestam-se como um sistema descentralizado que molda e transforma narrativas dominantes da teoria e prática do planejamento urbano.
O termo 'movimento' aqui é compreendido mais como uma 'sezione' de uma composição musical do que como um esforço organizado liderado por uma instituição, um coletivo ou mesmo um hemisfério do globo. Margaret Wheatley, em seu perspicaz artigo Using Emergence to Take Social Innovations to Scale (2006), descreve o ciclo de vida da emergência, que começa com redes, evolui para comunidades de aprendizado e, eventualmente, se transforma em sistemas capazes de exercer influência global.
A seguir, algumas características de um rizoma que podem ser encontradas no movimento emergente de mulheres e cidades:
Multiplicidade
Rizomas não são singulares, mas múltiplos. Eles consistem em muitos pontos ou nós que formam uma rede de relacionamentos. Gilles Deleuze e Félix Guattari, em sua obra Mil Platôs (1980), usaram o termo ‘multiplicidade’ para descrever sistemas onde nenhum elemento pode existir isoladamente. Em vez de entidades discretas, tudo está interconectado em uma teia dinâmica de relações. Isso reflete como todas essas ativações ‘mulheres e cidades’ estão interligadas e não podem existir de forma isolada.
Resiliência e Adaptabilidade
Assim como um rizoma botânico pode sobreviver gerando novos brotos e raízes, mesmo quando partes dele perdem vitalidade, um rizoma filosófico é resiliente e adaptável. Ideias, culturas ou sistemas baseados em princípios rizomáticos são resistentes ao controle, à manipulação ou destruição, pois podem se regenerar a partir de diferentes pontos. Isso torna as estruturas rizomáticas inerentemente resistentes ao controle rígido e até mesmo ao desejo egocentrado de dominação.
Comunicação Geradora
O conceito de rizoma é frequentemente utilizado para descrever como a informação se espalha pela internet, pelas redes sociais ou redes de comunicação global. Nesses sistemas, os nós — representados por usuários ou postagens — estão constantemente se formando, dissolvendo e se reorganizando de maneiras complexas. Novas narrativas associadas a mulheres e cidade são enraizadas na singularidade de lugares específicos, mas compartilhadas através de plataformas — LinkedIn, Instagram, Grupos do WhatsApp — onde cada postagem marca outra série de nós interdependentes que, por sua vez, repercutem num padrão de comunicação capilarizada.
Tanto no sentido botânico quanto no filosófico, os rizomas destacam um modelo de interconexão onde múltiplos nós podem formar novas conexões sem uma estrutura central ou hierárquica. À medida que as redes de ideias crescem por meio de conexões e associações – frequentemente de maneiras inesperadas – a rede evolui organicamente, tornando-se mais dinâmica e geradora de novos padrões (em vez de simplesmente ‘seguidora’ de padrões autocentrados).
Conclusão
No pensamento pós-moderno, o conceito de rizoma nos ajuda a compreender a ruptura com as grandes narrativas – as verdades universais – e a deslocar o foco para verdades singulares, locais e interconectadas. Narrativas de cidades como Viena, Umeå, Barcelona, Lyon, Glasgow e Londres – indubitavelmente do Norte Global – fazem parte desse diálogo. Entretanto, as vozes que emergem desses centros de urbanismo feminista devem ficar atentas ao pensamento de autoras como Against White Feminist, de Rafia Zakaria.
Essas narrativas urbanas são enriquecidas por histórias únicas que emergem em nível de bairro, como as das escritoras de Rocinha, que participan de debates Sul-Norte sobre a produção de conhecimento feminista decolonial. Assim como as mulheres do coletivo #vivacentroleste que juntos a moradores, trabalhadores e frequentadores do centro histórico de Florianópolis fortaleceram a identidade bio-cultural-espacial do território com na requalificação da área, preservando os paralelipidos históricos datados de 1886.
A estrutura rizomática nos permite enxergar as coisas (eventos, livros, artigos, palestrantes, a efervescência de ideias) em termos de interdependências ao abordar o movimento emergente em termos de totalidade em vez de partes. Essa perspectiva aprofunda nosso entendimento dos debates de mulheres e cidades como um sistema complexo, dinâmico e interconectado, onde modelos tradicionais de autoridade e linearidade evoluem e abrem espaço para novas possibilidades. Ela nos convida a reavaliar como as metáforas e modelos que usamos para navegar pelo mundo se manifestam neste movimento colaborativo e promissor de reimaginar e reformular a relação mutuamente constituída entre mulheres e cidades.
Aqui estão alguns exemplos de ativações nodais envolvendo interdependências rizomáticas que ocorreram nos últimos 6 meses:
Na Bélgica – Mulheres do NEB organizaram uma exposição durante o Festival Novo Bauhaus ao lado de uma série de conversas sobre Empoderamento das Mulheres, Espaço Público e Mudança Climática sob a orquestração de Rozina Spinnoy.
Em Edimburgo – A UN House Scotland promoveu três mesas-redondas sob o tema Encruzilhadas Urbanas: onde a política encontra a comunidade, realizadas na Universidade de Edimburgo.
Em Leeds – Conferência Mulheres e Planejamento: Da Teoria à Prática organizada pela Universidade Leeds Beckett sob a orientação da Mulher de Influência 2024 Dra. Karen Horwood MA FHEA AssocRTPI e Charlotte Morphet MRTPI FRSA AoUtrouxe para mesmo espaço teoristas e praticantes de duas gerações para refletir nos avanços do urbanismo sensível ao gênero.
Em Nova York – A ONU Mulheres, durante o Fórum Político de Alto Nível (HLPF), reuniu feministas, especialistas, representantes da ONU e atores do desenvolvimento para apresentar e discutir os Aceleradores de Igualdade de Gênero (GEAs) para os ODS, particularmente o ODS 5.
Em Edimburgo – Modelando a Cidade Feminista dentro do Curious Festival, promovido pela Royal Society of Edinburgh e facilitado pelas membros da RSEDaisy Narayanan MBE e a arquiteta premiada Jude Barber.
Nos Países Baixos – A Cidade com Perspectiva de Gênero orquestrou uma série de eventos ao mesmo tempo em que estabeleceu uma rede internacional de profissionais e pesquisadores, com vários grupos de trabalho liderados pela urbanista feminista Nourhan Bassam.
Em Londres – Nossa Cidade, Nossas Ruas: Mulheres, design e o ambiente construído, encontro realizado na Biblioteca da LSE pela arquiteta paisagistaMarina Milosev e a escritora e urbanista Jennie Savage FRSA.